Faltando menos de um mês para o fim do ano, Santa Maria já registra 62 assassinatos, quatro a mais do que em todo o ano passado. São 55 homens e sete mulheres que perderam a vida, a maioria com até 40 anos de idade. Os números fazem com que 2022 seja o quarto ano mais violento dos últimos 10 anos, só perdendo para 2017, 2018 e 2019. Segundo a polícia, o tráfico de drogas é responsável pela maioria das mortes — 20, no total. A reportagem do Bei fez um levantamento sobre os crimes e revela as motivações, o tipo de arma usada, o perfil das vítimas e as regiões onde os assassinatos aconteceram.
O ano de 2022 já dava indícios de que seria atípico desde o início. Poucas horas após a virada do ano, o primeiro assassinato foi registrado em Santa Maria. A lista dos crimes foi iniciada pouco depois das 14h do dia 1º de janeiro. Leonel Moraes Cardoso, 36 anos, foi morto a tiros no Residencial Leonel Brizola, no Bairro Diácono João Luiz Pozzobon. Além dele, outras três pessoas foram mortas em janeiro.
Fevereiro e março foram os meses que mais registraram crimes – foram oito em cada mês. De abril a julho, aconteceram seis mortes por mês. Já agosto, segundo os números da Polícia Civil, foi o menos violento, com somente uma morte. Já outubro e novembro voltaram a registrar seis mortes em cada mês, engrossando as estatísticas.O aumento no número de assassinatos também fez com que os crimes fossem espalhados em várias regiões da cidade. A Região Oeste, a mais populosa, foi a que registrou mais mortes. Foram 13 crimes, seguida das regiões Centro-Oeste, com 12, e Centro-Leste e Norte, com 10 crimes cada. A Região Nordeste registrou apenas um assassinato.
A maioria dos crimes foi cometida com armas de fogo. Dos 62 assassinatos, em 52 as vítimas foram mortas com tiros e seis a facadas. Outras quatro causas de mortes foram apontadas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Umas delas aconteceu em 10 de abril, tendo como causa esganadura. Foi quando Santa Maria registrou o primeiro feminicídio do ano. A vítima foi identificada como Luanne Garcez da Silva, 27 anos. Ela foi morta pelo companheiro, Anderson Ritzel, 26 anos.
No Bairro Carolina, também em abril, Fábio Piegas de Souza foi morto a tijoladas. Antes, em fevereiro, Diego da Silva Guedes foi executado com um peso de musculação no Bairro Passo D’Areia. Em outro crime atípico, em maio, Jeferson Luiz Padilha dos Santos foi encontrado enforcado dentro de uma cela da Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm). A investigação ainda aguarda por resultados de exames de perícias, mas já há indícios de que ele foi assassinado.
De janeiro a novembro, foram registrados dois latrocínios (roubo com morte). O primeiro de foi Leonardo Almeida de 22 anos. Ele foi morto após ser assaltado na madrugada de 15 de setembro na Rua Coronel Niederauer. Cinco adolescentes foram apreendidos e, dois jovens presos após serem identificados pela Polícia Civil.
O segundo latrocínio do ano aconteceu na noite 29 de outubro. O policial aposentado Antão Danilo do Amaral foi morto com um tiro quando três assaltantes tentaram roubar a caminhonete dele também na Rua Coronel Niederauer, no Centro. Cinco suspeitos foram identificados pelas investigações. Quatro estão presos, e um adolescente foi apreendido.
Ano marcado por duplos e até um triplo assassinatos e envolvimento de adolescentes
Um fator que colaborou para a alta de crimes foram as mortes com mais de uma vítima em um mesmo crime. Ao todo, até agora, foram registrados quatro duplos assassinatos e uma tripla execução.
Para os órgãos de segurança, a maioria das mortes é motivada direta ou indiretamente pelo tráfico de drogas. Das 62 mortes, pelo menos 20 teriam acontecido por rixa entre traficantes. O delegado Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), diz que a instalação de bloqueadores de sinal de celular ajudaria e diminuiria o número de mortes nas ruas.
O aumento dos homicídios e das tentativas em 2022 tem relação direta com o acirramento das disputas entre facções criminosas atuantes no tráfico de drogas. Neste contexto, a maioria das vítimas e dos autores tem graves antecedentes policiais e passagens pelo sistema prisional.
– Entendemos que investigações qualificadas no combate ao crime organizado, especialmente quando acarretam a descapitalização patrimonial, são fundamentais na prevenção e repressão aos homicídios. É urgente que haja a implementação de bloqueadores de sinal de telefonia celular nos estabelecimentos prisionais, pois muitas ordens de execução são comprovadamente realizadas de dentro dos presídios pelos líderes das facções – diz o delegado.
Zanella também destaca o aumento do número de adolescentes entre vítimas e autores dos crimes e alerta que esse é um dado preocupante.
– O expressivo aumento do envolvimento de adolescentes como autores de homicídios consumados e tentados nos últimos anos em Santa Maria implica que se tornem potenciais vítimas de futuros assassinatos. Muitos destes jovens estão envolvidos com facções criminosas atuantes no tráfico ilícito de drogas. Não raro, são utilizados por elas como executores – diz Zanella, destacando que as sanções são muito mais brandas aos adolescentes.
Embora o número de assassinatos venha aumentando, os índices de elucidação da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) da Polícia Civil estão se mantendo altos, segundo o delegado, atingido 85% dos 62 crimes.
O major Rogério Glanzel Alves, comandante do 1º Regimento e Polícia Montada (1º RPMon) da Brigada Militar (BM), também credita a maioria das 62 mortes ao tráfico de drogas. Os outros crimes foram motivados por diversos fatores.
Sete mortes foram registradas como legítima defesa
Outro fator que soma para o aumento no número de mortes violentas neste ano, em Santa Maria, são os casos considerados com legítima defesa. De janeiro até o momento, sete pessoas morreram, cinco delas envolvendo confrontos com policiais militares. As vítimas reagiram a abordagens e acabaram morrendo em troca de tiros com a polícia.
O delegado Gabriel Zanella explica que os inquéritos são instaurados e que as investigações dessas mortes ocorrem normalmente, mas que há uma diferença.
– Nessas situações, não há indiciamento do autor. É uma morte em legítima defesa, pois o policial está trabalhando, defendendo a vida dele e dos demais – explica Zanella.
O major Rogério Alves ressalta que, se os suspeitos não reagissem à abordagem levando risco aos PMs, não teriam sido mortos.
– Cinco deles são decorrentes de intervenção policial em que o abordado ou autor acabou oferecendo resistência e a Brigada teve que fazer uso de força letal para resolver a situação – diz o comandante do 1º RPMon.
Outros dois casos são de civis que mataram os agressores para se defender, conforme mostram as investigações. Em um deles, o autor acabou matando a vítima para evitar um feminicídio. Segundo a investigação, o homem agiu para se defender, já que deu abrigo a uma mulher que estava sendo perseguida pelo companheiro e acabou tendo a casa invadida pelo agressor.